Alice Vieira, ...
1ª Edição: 2005
Editora: Oficina do Livro
ISBN: 978-989-555-115-0
248 páginas
I
A chave
— VENHAM, meninos. Esta não é uma visita qualquer. O Palácio da Vila nasce de um alcácer levantado pelos mouros no século X e há nesta arquitectura um sabor enigmático, um encanto oriental que eu gostaria que vocês apreendessem. — Ó pai, e as queijadas? Estou cheio de fome — disse o Miguel. E a Luísa: — O pai prometeu que íamos às queijadas. Explicar à Luísa e ao Miguel que o Paço Real fechava às cinco e que as queijadas lá estariam pela tarde adiante foi ainda mais difícil quando a Helena tomou o partido dos filhos e garantiu que eram quase horas de lanchar. — Hão-de ser sempre uns burros, vocês. Uns burros e uns ignorantes. Vamos então só dar uma volta, ver o que vêem os turistas, a Sala dos Cisnes, a Sala das Pegas, uma espreitadela ao terreiro de São Sebastião. Depois podem ir lanchar, mas eu fico. Encontramo- -nos mais tarde, ao pé da escadaria do palácio. — Devias ter sido arquitecto — disse Helena. — Arquitecto e não historiador. — A arquitectura faz parte da História — defendi-me, porque aquilo era um ataque. — Não a que se constrói, mas a que se estuda. Há mais História numa simples porta fechada que em todas as versões oficiais dos acontecimentos que vêm nos vossos manuais escolares. — Que exagero, Gonçalo. Mas está bem. Vamos lá dar uma volta, e por favor mostra-nos só o essencial. — Nós vemos o resto na Internet — disse a Luísa. — O essencial — refilei. — O essencial é a essência, e isso é precisamente o que vocês não querem perceber. Um dia, quando eu estiver gagá, hão-de ter saudades das minhas explicações. — Eu acho que o pai já está gagá — disse o Miguel em voz baixa à irmã. Mas eu ouvi. E magoou-me a forma imbecil como os meus próprios filhos se riram de mim. [...] |
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Obra coletiva |